A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença que afeta o sistema nervoso central e pode, de algum modo, refletir alguns dos seus sintomas na zona orofacial (boca e face). Os sintomas manifestados podem incluir dificuldades visuais (nistagmos – perturbações nos movimentos oculares), fala arrastada (disartria – dificuldade em movimentar os músculos da face e da língua) e sintomas do foro sensorial, como o adormecimento e parestesia da face, nevralgia do nervo trigémio e cefaleias.
Nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado uma relação entre a EM e uma maior prevalência de doenças orais: doenças como a cárie dentária, doença periodontal, xerostomia (boca seca), halitose, sensibilidade dentária, disfunções na articulação temporo-mandibular e infeções fúngicas.
Esta relação pode ainda ser traduzida pelo facto destes doentes poderem apresentar uma higiene oral menos eficaz, pela dificuldade na perceção e destreza necessária para a realização de técnicas corretas de higiene oral.
Polimedicação pode afetar saúde oral
Os doentes com EM são muitas vezes polimedicados para um maior controlo da doença, bem como dos sintomas associados. O tipo de medicação mais usada são os corticóides, os fármacos do tipo interferão-β, o acetato de glâtimero, os anticorpos monoclonais (natalizumab), os relaxantes musculares e os antidepressivos.
Cada um destes tipos de fármacos pode ter efeitos secundários na cavidade oral…
…e a elevada taxa de uso deste tipo de medicação pode justificar as queixas de boca seca de alguns dos doentes, assim como os casos de glossite atrófica observados. Os corticóides, por exemplo, podem aumentar o risco de infeções fúngicas orais, como a candidíase, problemas pós-operatórios e dificuldade de cicatrização. Os antidepressivos tricíclicos e relaxantes musculares podem causar xerostomia, tal como, os fármacos do tipo interferão-β que podem ainda aumentar o risco de aparecimento de mucosite, estomatite ulcerativa, glossite (inflamação da língua), disgeusia (distorção do paladar), assim como o aumento do risco de infeções orais como a candidíase. Já o uso de acetato de glâtimero, para além de aumento do risco de infeção fúngica, bacteriana ou viral, pode levar a mucosite, estomatite ulcerativa e aumento das glândulas salivares.
As visitas regulares, pelo menos duas vezes por ano, ao médico dentista ou higienista oral são de extrema importância…
… no âmbito da prevenção das doenças orais. Estes profissionais de saúde oral deverão estar capacitados a realizar consultas adaptadas aos doentes com EM, de forma a diminuir ao máximo o stress envolvido nas mesmas. Assim, por norma, aconselham-se consultas em períodos de remissão da doença, consultas curtas e que devem incluir várias pausas, proporcionando um ambiente calmo e relaxado ao paciente.
Uma relação de confiança entre o doente e o profissional de saúde é essencial para um diagnóstico o mais precoce possível e para a elaboração de um plano personalizado de cuidados de higiene oral diários.
Conselhos práticos
Os pacientes com EM devem seguir uma higiene oral cuidada de modo a evitar problemas. É aconselhado começar por realizar uma higiene dos espaços interdentários, recorrendo ao fio dentário ou a escovilhões dentários com tamanhos específicos a cada uma das áreas, e que devem ser indicados pelo profissional de saúde oral, de preferência com cabos longos que ajudam quando a destreza manual possa estar comprometida ou dificultada.
De seguida, deve ser realizada uma escovagem com pasta dentífrica que contenha flúor na composição, para prevenir o aparecimento da cárie, dentária e evitar o uso de pastas branqueadoras, pois ao serem mais abrasivas podem potenciar os sintomas de hipersensibilidade dentária. A escovagem deve realizar-se pelo menos duas vezes ao dia, de manhã e à noite, durante 2 minutos, de modo a abranger todas as áreas dentárias. As escovas elétricas ultrassónicas ou oscilo-rotativas podem ser uma opção para os pacientes com EM, pois a tecnologia mais recente destas escovas permite um controlo da pressão exercida assim como o tempo ou áreas abrangidas na escovagem.
A higiene oral da língua também é essencial recorrendo a um raspador lingual com movimentos de dentro para fora, não esquecendo as zonas mais laterais, pois durante o dia vão-se depositando sobre as papilas gustativas uma série de bactérias e restos alimentares, evitando assim o aparecimento de mau hálito.
No caso de uso de próteses dentárias estas devem ser removidas durante a noite e corretamente higienizadas de forma a evitar infeções fúngicas. Para tal, a prótese deve ser escovada com uma escova específica para próteses dentárias e utilizar-se uma solução própria para o efeito. Pode ainda emerger-se numa solução desinfetante apropriada, durante o período de tempo indicado pelo fabricante, deixando-a depois a secar ao ar e não numa caixa fechada.
A utilização de elixires deve ser feita 30 minutos após a escovagem, optando por produtos sem álcool. Em caso de risco de infeções fúngicas, pode realizar-se um bochecho com elixir com clohexidina, três vezes por semana, não se devendo usar em demasia estas soluções, pois podem causar alterações no paladar e nas glândulas salivares, assim como, coloração nos dentes.
Também a alimentação tem uma grande importância na prevenção de problemas orais. Devem ser evitados alimentos com excesso de açúcares e restringir o consumo de sal. A ingestão regular de água ao longo do dia é importante para manter a hidratação e, em casos de xerostomia, podem-se usar elixires ou pastas que ajudem a estimular as glândulas salivares.
Uma Saúde Oral saudável contribui para evitar doenças cardiovasculares, pneumonia, doenças autoimunes, entre outras. Não é só uma relação física, mas também psicossocial, com impacto na autoestima e na capacidade de socializar. Com isto, podemos afirmar que a saúde oral tem um impacto na felicidade.