Colóquio promoveu debate sobre o impacto real dos sintomas no quotidiano das pessoas que convivem com a Esclerose Múltipla (EM)

No Dia Mundial da EM, decorrido no último 30 de maio, demos voz a doentes e profissionais de saúde que defenderam cuidados de saúde mais humanos, acessíveis e integrados. A Sala de Âmbito Cultural do El Corte Inglés, em Lisboa, recebeu o colóquio “Impactos Diários: Viver com os Sintomas da Esclerose Múltipla”, promovido pela SPEM.

O objetivo do evento foi aprofundar a compreensão sobre os desafios diários enfrentados por pessoas com EM, focando-se não apenas nos sintomas físicos, mas também nos impactos emocionais e sociais da doença na qualidade de vida. O destaque foi para a apresentação dos resultados referentes a Portugal do estudo IMSS – “Impact of Multiple Sclerosis Symptoms” – desenvolvido nos últimos três anos pela Plataforma Europeia de EM e que contou com a participação de 785 portugueses.

Magda Fonseca, investigadora de saúde pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e voluntária da SPEM na área da Investigação e Inovação, apresentou o estudo, realçando a necessidade de haver diagnósticos menos tardios. “Temos de promover o acesso mais equitativo, inclusivo e precoce aos cuidados de saúde e apoios sociais necessários para minimizar o risco de progressão dos sintomas”, salientou.

“É importante haver uma boa coordenação entre profissionais de saúde e também com os profissionais da área social” defendeu a investigadora justificando que a falta de um acompanhamento integrado dos doentes pode comprometer o acesso às terapias que necessitam e que não são comparticipadas.

Por fim, alertou para “uma necessidade de aumento do conhecimento sobre a EM, sobre os sintomas que afetam a vida dos doentes, muitos deles invisíveis”. É fundamental que compreendamos melhor as pessoas com EM, não só os profissionais de saúde, como as entidades empregadoras e a sociedade em geral.

Alexandre Guedes da Silva, presidente da SPEM, realçou que este estudo tem resultados muito interessantes para a comunidade, com um potencial transformador nas políticas públicas de saúde e na assistência social. “Para nós, é decisivo sermos capazes de influenciar, num bom sentido, as políticas públicas de modo que elas consigam responder às necessidades das pessoas com Esclerose Múltipla”, aludiu o dirigente da instituição.

Saber ultrapassar barreiras e normalizar os sintomas

O colóquio juntou à mesma mesa-redonda pessoas com EM e profissionais de saúde, combinando a partilha de vivências pessoais e conhecimento científico. “A minha viagem foi muito facilitada face aquilo que muitas pessoas vivem” conta Inês Afonso, 31 anos, diagnosticada com EM aos 23. “O meu primeiro sintoma coincidiu com uma queda que eu dei na minha aula de dança: fiquei com as pernas dormentes. Fiz uma ressonância magnética às pernas e não fui diagnosticada na altura. Passados quatros anos é que tive a minha nevrite ótica e aí fui diagnosticada muito rapidamente”, explica.

Já para Marisa Reis, 45 anos, o diagnóstico durou cerca de um ano. Era estudante universitária em Direito e teve o primeiro surto durante o verão, em 1999. “Tive uma dormência no braço, mas coincidiu com um dia em que fui dar sangue. O médico de medicina geral achou que podia ser um problema muscular e receitou injeções que não surtiram qualquer efeito. Falei com outro médico que me perguntou se não seria só ansiedade. Fui a outro médico, neurocirurgião, que avançou a hipótese de ser uma hérnia discal. Exames posteriores identificaram a doença.”

Inês e Marisa falaram sobre o desconhecimento da doença e a importância de normalizar a forma como a doença é abordada. “Os [sintomas] que mais me impactam como a fadiga, a ansiedade, as tonturas, as dormências seriam infinitamente mais fáceis de gerir se eu não sentisse constantemente que os estou a esconder porque as pessoas não estão disponíveis e educadas [para lidar com a doença]”, explica Inês, que viu muitas vezes as pessoas à sua volta atribuírem uma carga negativa ao diagnóstico e confundirem a EM com outras patologias.

As duas convidadas enfrentaram desafios emocionais e mentais associados ao facto de terem sido diagnosticadas muito jovens. A doença levou-as a repensar ou questionar projetos familiares e carreiras profissionais, mas concluíram que a doença não determina as suas vidas: “continuo a acreditar em mim e tenho vontade de me testar. No entanto, sei que este caminho não se faz sozinho: é importante confiar nos médicos e equipas que nos acompanham”, partilha Marisa Reis.

Os desafios terapêuticos e a multidisciplinaridade nos cuidados de saúde

O médico neurologista José Vale, um dos convidados do encontro, refere que o atraso no diagnóstico ocorre em função de diferentes variáveis: “depende do sistema de saúde e do acesso ao neurologista, depende do próprio médico que pode ou não fazer um diagnóstico correto e do próprio doente, pois há manifestações da doença que são subtis, que não são valorizadas e a própria pessoa não procura respostas.”

O tempo entre a chegada ao neurologista e o diagnóstico é rápido porque os meios para o concretizar estão consolidados, explica o Diretor do Serviço de Neurologia do Hospital Beatriz Ângelo (ULS Loures-Odivelas). Mesmo o acesso ao tratamento, depois de chegar ao neurologista é relativamente fácil. As maiores dificuldades são as assimetrias existentes dentro do país no acesso aos cuidados e na literacia do profissional de saúde para adotar as melhores opções terapêuticas.

Os cuidados devem ser prestados por equipas multidisciplinares, o que no nosso país ainda está longe de ser uma realidade universal. “É uma facilidade que devia estar disponível para todos os doentes. Não custa muito dinheiro, exige sobretudo é organização. E isso infelizmente não está disponível na maior parte dos sítios e existem áreas em Portugal onde isso é particularmente evidente”, acrescenta.

No entanto, é importante realçar a extraordinária evolução ocorrida em matéria de ensaios clínicos e de desenvolvimento de opções farmacológicas. “A terapêutica é um mundo”, qualifica Andreia Bettencourt, investigadora clínica na área das neurociências e consultora científica da Novartis Portugal. “Neste momento existem mais de 15 terapêuticas disponíveis para todos os tipos de Esclerose Múltipla. Mesmo assim, para alguns doentes ainda não existem tantas opções de tratamento, nomeadamente para as formas progressivas”. Contudo, há vários ensaios a decorrer que poderão permitir em breve novas abordagens clínicas.

A jornada nos cuidados primários antes de chegar à consulta de Neurologia

“O grande atraso para o diagnóstico muitas vezes é antes de chegar ao neurologista”, explica Bianca Bernardes Silvestre, Médica de Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar Andreas (região de Mafra).

Os cuidados de saúde primários são a “porta de entrada” no serviço de saúde e também aqui existem fragilidades que podem dificultar um diagnóstico mais atempado da doença: “nem toda a gente tem médico de família ou um acesso fácil a um médico de medicina geral que a avalie”, explica a profissional de saúde.

“Há um outro problema nos cuidados primários: nós não podemos pedir ressonâncias magnéticas. Podemos pedir análises de sangue e TACs mas as ressonâncias magnéticas estão atribuídas exclusivamente aos médicos hospitalares”.

A desvalorização dos sintomas pelo doente, especialmente se for mais jovem; a dificuldade na avaliação de sintomas inespecíficos e genéricos facilmente confundidos com outras patologias; a flutuação dos sintomas sobretudo quando a doença existe em forma de surto-remissão; a falta de clareza nos registos médicos são alguns fatores que podem ajudar a compreender o atraso no diagnóstico.

“O nosso papel é ir criando suspeita que alguma coisa foge do normal e isso muitas vezes demora tempo” explica Bianca Bernardes Silvestre. O fator “tempo” é muito determinante: “nos cuidados de saúde primários temos cerca de 20 minutos de consulta e um exame neurológico completo ocuparia todo esse tempo e nós também não estamos completamente treinados para fazê-lo como um neurologista. Outra questão é o tempo de espera pelas consultas: por exemplo, na ULS Santa Maria são mais ou menos 260 dias para a Neurologia, por isso é quase mais um ano de atraso até chegar ao hospital, ser visto por um neurologista, fazer os exames que nos cuidados de saúde primários não conseguimos fazer, esperar pela próxima consulta e eventualmente começar um tratamento”.

Viver com os Sintomas da Esclerose Múltipla

O colóquio proporcionou um espaço de partilha e reflexão, reunindo doentes, cuidadores, familiares e profissionais de saúde, com o intuito de sensibilizar para a realidade da Esclerose Múltipla e promover uma melhor compreensão dos seus impactos diários. O evento envolveu cerca de 60 pessoas, entre presenças no local e participações por videoconferência.

O nosso obrigado a todos os que aderiram ao nosso Colóquio. Um agradecimento especial ao El Corte Inglés Portugal pela cedência do espaço e do coffee break e à Izigo pelo suporte técnico à videoconferência.

Este evento inseriu-se na programação da SPEM para o Dia Mundial da Esclerose Múltipla que em 2025 contou com o patrocínio da Merck, Roche, Neuraxpharm, Sanofi, Biogen, Juvisé Phamaceuticals e Sandoz.

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