Numa Carta Aberta, várias associações subscritoras pedem que o modelo de entrega de medicamentos hospitalares, adoptado durante o período de emergência por causa da pandemia, seja reposto de forma imediata. Pretendem uma solução definitiva nacional antes de uma possível segunda vaga de COVID-19.

O documento vai ser enviado à ministra da Saúde, ao gabinete do primeiro-ministro, à comissão parlamentar de saúde, aos presidentes dos partidos políticos, ao Infarmed e à Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.

Carta Aberta aos decisores políticos
sobre o acesso de proximidade a medicação hospitalar

Encontrar uma solução que permita a quem vive com uma doença crónica ter acesso à sua medicação hospitalar diretamente na sua residência ou num local próximo é uma necessidade identificada há muitos anos. As associações de doentes têm vindo a procurar sensibilizar sucessivos responsáveis do Ministério da Saúde, do INFARMED e dos hospitais, para os constrangimentos que as deslocações frequentes aos hospitais colocam a dezenas de milhares de cidadãos em todo o país, com consequências importantes na adesão ao tratamento. Ao mesmo tempo, as associações têm-se disponibilizado para colaborar com quem decide, no sentido de encontrar alternativas que, de forma mais sustentável, melhor respondam aos desafios que hoje se colocam a quem vive com uma doença crónica.
Quando surgiu a pandemia de COVID-19 que vivemos atualmente, e durante o estado de emergência, fruto da proatividade dos vários atores da saúde, e sem qualquer custo para o SNS nem para os cidadãos, várias soluções foram rapidamente colocadas em prática, para evitar as deslocações aos hospitais. No entanto, no final de maio, muitas pessoas ficaram sem acesso de proximidade à sua medicação hospitalar, pelo que, nuns casos, voltaram a ter que se deslocar dezenas a centenas de quilómetros, noutros, por medo ou dificuldades económicas, deixaram mesmo de tomar os medicamentos que são essenciais para controlar a sua doença.
Desde então que é aguardada uma solução definitiva que sirva todas as pessoas que necessitam de medicação de dispensa exclusiva hospitalar de uma forma crónica. Apesar dos alertas feitos pelas várias associações representantes dos doentes, a tutela remeteu para o próximo setembro a apresentação de uma proposta concreta. As respostas, que, entretanto, surgiram, foram criadas de forma discricionária pelos grandes centros hospitalares, mas ainda assim, muitas vezes, sem garantir o acesso universal a todos os utentes. Outros hospitais, como o Hospital de Santarém, de Évora ou de Faro, por exemplo, continuam com muitas dificuldades em encontrar uma alternativa, agravando a iniquidade entre os cidadãos, com o acesso de proximidade aos medicamentos dependente de viverem perto ou longe do hospital ou de serem utentes deste ou daquele hospital.
As associações defendem uma solução a que todos os cidadãos que vivem com doença crónica tenham acesso, independentemente do hospital em que são seguidos, e que contemple os seguintes requisitos:
  • permita a dispensa da medicação hospitalar na residência ou um local próximo, assegurando-se a equidade em todo o território continental e ilhas e a sustentabilidade económica para o SNS; 
  • evite a exposição dos doentes crónicos, muitos deles imunodeprimidos, a ambientes de possível contágio por doenças infeciosas, tal como a Covid-19;
  • cumpra todas as garantias de qualidade, segurança, rastreabilidade, proteção de dados e confidencialidade;
  • garanta a opção de escolha e respeite as necessidades e preferências de cada pessoa;
  • evite deslocações desnecessárias e diminua a afluência de doentes às unidades de saúde sem necessidade expressa;
  • seja transparente e envolva as pessoas que vivem com doença crónica e as associações que as representam na definição e monitorização do processo.
Os resultados da solução temporária criada para o estado de emergência revelaram que este tipo de dispensa de medicação hospitalar mais próxima do cidadão traz poupanças em termos económicos, financeiros e ambientais para toda a sociedade:
  • 30,4% dos doentes evitaram faltar meio dia ou mais ao trabalho (sendo que 49% das pessoas abrangidas estão em situação de desemprego ou reforma ou são pensionistas)*; 
  • Em média, por cada dispensa foi evitada uma deslocação de 101 km, viagem de ida e volta para levantamento do medicamentos na farmácia do hospital respetivo*;

A participação dos cidadãos, na tomada de decisões que a todos afetam, não pode resumir-se a meros processos de consulta sem influência prática na melhoria do bem-estar das pessoas afetadas. O contributo das associações representantes dos doentes tem sido desperdiçado desde que se iniciou esta pandemia. Por isso, vimos a público exigir:

  • a continuidade, com caracter imediato, da entrega de proximidade da medicação hospitalar a todas as pessoas que vivem com doença crónica e de forma simples, transparente e auditável, independentemente do hospital onde a pessoa é acompanhada;
  • a definição de um grupo de trabalho com todos as partes interessadas devidamente representadas para redesenho, até 30 de setembro, do modelo a adotar (contemplando os requisitos expostos acima);
  • a implementação do novo modelo de dispensa de proximidade antes do início do próximo inverno e de uma possível 2ª vaga da pandemia;
  • a correção imediata de situações anómalas já identificadas e comunicadas aos responsáveis;
  • a avaliação periódica do nível de satisfação por forma a que o processo se aproxime cada mais das necessidades dos cidadãos;
  • a definição de uma estratégia de comunicação inclusiva e dirigida a toda a população afetada.
O Despacho n.º 5315/2020 assinado pela Sra. Ministra da Saúde Dr.ª Marta Temido, em 3 de maio, que determina que os medicamentos dispensados por farmácia hospitalar em regime de ambulatórios podem a pedido de doente ser dispensados nas farmácias comunitárias ou no domicílio continua em vigor, bem como a Circular Normativa do INFARMED n.º 005/CD/550.20.001, mas não é suficiente para garantir a entrega de proximidade dos medicamentos hospitalares aos doentes que deles necessitam. É preciso passar das palavras da lei à operacionalização do processo com a devida monitorização e auditoria.
 
 

*Resultados preliminares de avaliação de impacto da operação luz verde – medicamentos de dispensa exclusiva hospitalar – apurados pelo CEFAR – Centro de estudos e avaliação em saúde.

Subscrevem:

Rodrigues Antunes (Presidente AC RIM)

Ana Sampaio (Presidente APDI)

Filomena Borges (Direção APELA)

Nuno Lopes (Presidente APH)

José Miguel Correia (Presidente APIR)

Miriam Brice (Presidente Careca Power)

Tamara Milagre (Presidente EVITA)

Luís Mendão (Presidente GAT)

Elsa Mateus (Presidente LPCDR)

Jaime Melancia (Presidente PSO Portugal)

Marta Jacinto (Presidente PXE Portugal)

Paulo Gonçalves (Vice-presidente SPEM)

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