Artigo de Opinião
Quando em 2019, na SPEM, começámos a falar de ter os medicamentos hospitalares mais próximos dos nossos doentes, o que estava em causa era os medicamentos virem dos hospitais centrais para o Hospital/Centro de Saúde/Farmácia Comunitária mais próximos do local de residência do doente, mas estávamos longe de imaginar estar a iniciar uma cruzada ainda maior: a de aproximar o farmacêutico das pessoas com doença crónica. Para início de conversa, quantos doentes há cerca de 5 anos conheciam as funções de um farmacêutico e a influência que tinham, têm e terão nas nossas vidas?
Chegámos a perguntar e a maioria das respostas apontavam para “o(a) doutor(a) da farmácia” que era não o farmacêutico hospitalar, mas aquele que estava próximo da residência ou próximo do local de trabalho ou seja, o farmacêutico comunitário. Muitos de nós ignorávamos que quando vamos ao “hospital-de-dia” ou estamos internados, há alguém que prepara a medicação que nos é administrada e que na maioria das vezes não é o(a) enfermeiro(a) nem o(a) médico(a). Quando há falta de um medicamento, há um conjunto de pessoas que respondem sobre alternativas a esse medicamento.
Para termos medicamentos há um conjunto de profissionais que investigam e testam até chegar ao mercado. Para chegar ao mercado há reguladores que garantem um conjunto de procedimentos de modo a certificar sobre o que nos prescrevem. Em muitos destes passos, entre outros, estão um número enorme de farmacêuticos. E para haver estes farmacêuticos há faculdades de farmácia, que os formam.
Porque é que tudo isto é importante?
Por um conjunto de necessidades que as pessoas com doenças crónicas têm. Por vezes mais do que uma, o que acrescenta variáveis que por vezes são identificadas tardiamente. Ora a caixa de pandora estava-se a abrir. Por um lado, falava-se muito de ter o cidadão no centro, mas fazia-se pouco e, por outro lado, estávamos como país a desperdiçar um parceiro importantíssimo para nós que somos os crentes praticantes do SNS, os doentes crónicos. Crentes porque acreditamos no SNS, praticantes, porque bem ou mal, é ao SNS que recorremos com regularidade. A nossa luta para os medicamentos em proximidade está prestes a dar frutos. Falta uma norma técnica para que se garanta o serviço com equidade no país e os sistemas de informação com as garantias de controlo e segurança do circuito do medicamento e da segurança dos dados para todos. Surgem novos desafios como a nutrição entérica e parentérica, a hospitalização domiciliária, a descentralização dos cuidados em geral e o trabalho em rede.
O que precisamos de ter, de modo a garantir que mantemos a centralidade no cidadão e não nos serviços? Onde podem os farmacêuticos ser parte imprescindível?
É por todas estas razões que, em conjunto com as outras associações de doentes crónicos, há cerca de 2-3 anos, lançámos a discussão do farmacêutico de família. Não é alguém que esteja no hospital, no centro de saúde, numa clínica ou numa farmácia de oficina. É alguém que conhece a família, que acompanha a família e está integrada numa equipa virtual, que acompanha as situações no seu contexto familiar e geográfico, e tem legítimo acesso à informação e cuidados da família com o contributo único que aporta.
Esta perspetiva em nada belisca a necessidade das outras funções do farmacêutico. Antes, reforça-as. Seja no hospital, na indústria, na investigação, na regulação ou outra. O principal é que a equipa multidisciplinar inclua o profssional que se provou recentemente ser imprescindível no serviço nacional de saúde, tornando-o mais eficiente e sustentável.
Em busca da utopia? Talvez. Mas se em 2019 tivéssemos acreditado nas primeiras respostas negativas, não estaríamos hoje a elevar a fasquia.
Queremos o farmacêutico de família!
Por exemplo:
- no aconselhamento sobre hábitos alimentares saudáveis ou exercício físico e cognitivo;
- no acompanhamento dos tratamentos farmacológicos e na continuidade da adesão aos tratamentos;
- na preparação de medicação nas doses indicadas, contribuindo para a racionalização e combate ao desperdício;
- na contínua capacitação e leitura simplifcada, mas profssional, de folhetos informativos ou especifcações de tratamentos;
- na reconciliação terapêutica e notificação de reações adversas a medicamentos, quer ensinando, quer fazendo-as e notifcando os médicos prescritores;
- na escuta ativa e notificação de agudização ou aparecimento de novos sintomas;
- na inclusão numa equipa que se deseja multidisciplinar no acompanhamento da pessoa com doença crónica e respetiva família.