Lançado simbolicamente a 4 de dezembro de 2022, o Centro de Responsabilidade Integrado de Esclerose Múltipla (CRI EM) é um projeto inovador, o primeiro do género em Portugal, que funciona no Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa. Visa a reorganização de melhores cuidados de saúde centrados nas necessidades dos doentes com EM, de modo a que possam usufruir das diversas valências num só local e evitando demasiadas deslocações. Para ficarmos a conhecer um pouco mais este Centro, a SPEM entrevistou o neurologista Dr. Carlos Capela, o diretor do CRI EM.
O que é um Centro de Responsabilidade Integrado (CRI)?
Um CRI é uma estrutura de gestão intermédia que reporta e depende diretamente dos conselhos de administração dos hospitais EPE (Entidades Públicas Empresariais) do SNS. Estas estruturas são dotadas de autonomia funcional e técnica, mediante o estabelecimento de um compromisso de desempenho assistencial e económico-financeiro. Assim, os profissionais que integram estes CRIs poderão aceder a incentivos institucionais e financeiros diretamente relacionados com o desempenho alcançado. Em suma, são estruturas de gestão intermédia que visam assegurar o desenvolvimento das melhores práticas clínicas centradas nas necessidades dos utentes; fomentar processos de governação clínica que contribuam para a melhoria contínua da qualidade dos cuidados prestados no SNS; promover a autonomia, o envolvimento e a responsabilização dos profissionais na gestão dos recursos, incentivando-os a desenvolver, exclusivamente, a sua atividade no seio do SNS; aumentar os níveis de produtividade e de satisfação dos profissionais do SNS, associando a atribuição de incentivos institucionais e financeiros ao desempenho efetivamente alcançado, ou seja, reconhece e premeia o desempenho individual e coletivo.
Como surgiu a ideia de criar um CRI dedicado à área da Esclerose Múltipla (CRI EM)?
E por quem foi concretizado o projeto?
Como sabem, a EM é uma das áreas da neurologia mais evoluídas em termos de terapêutica. Os centros de excelência/ referência a nível europeu são frequentemente centros autónomos e dedicados a esta patologia. Neste sentido, a motivação da equipa clínica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), que já se encontrava parcialmente dedicada a esta área, foi mimetizar um destes centros de excelência – o Cemcat, em Barcelona. Assim, o CRI, pela sua possibilidade de reorganização interna da prestação de cuidados, pela sua autonomia funcional e técnica, constituiu-se como a solução ideal para esta ambição. Este projeto foi apenas possível devido ao trabalho de equipa, em particular da equipa clínica nuclear (neurologistas, enfermeiros e farmacêuticos dedicados maioritariamente a esta patologia).
Em que local funciona o CRI EM e quem faz a gestão do mesmo?
O CRI EM funciona no Hospital Santo António dos Capuchos, um dos vários hospitais pertencentes ao CHULC. O CRI EM (à semelhança dos restantes CRIs) é gerido por um conselho de gestão que é constituído pelo diretor (médico), por um administrador hospitalar e um enfermeiro.
Existiram constrangimentos a nível de recursos financeiros para a criação do projeto?
Sentem atualmente dificuldades relacionadas com a manutenção do mesmo?
Os CRIs médicos, como é o nosso caso, têm mais dificuldades neste campo, pois o enquadramento dos CRIs beneficia sobretudo as áreas cirúrgicas ou médico-cirúrgicas. Contudo, até ao momento não verificámos nenhuma dificuldade relacionada com esta questão, inclusivamente no acesso à terapêutica.
Existem parcerias com outras entidades que estejam envolvidas
no desenvolvimento do CRI EM?
Neste momento de implementação, as parcerias do CRI EM são as clássicas: associações de doentes, empresas farmacêuticas e alguns hospitais da nossa área de influência. No futuro, com a consolidação do projeto, pretendemos alargar o nosso apoio assistencial/ ensino a hospitais fora da nossa rede de influência e unidades locais de saúde, bem como desenvolver pontes de ligação com a academia na área da investigação.
Qual a diferença entre um centro de Responsabilidade Integrada
e um Centro de Referência?
De uma forma simplista, um Centro de Referência é sobretudo uma certificação de qualidade, um reconhecimento como expoente mais elevado de competências na prestação de cuidados de saúde de elevada qualidade numa patologia. Pelo contrário, um CRI é sobretudo um modelo de gestão que ambiciona também essa qualidade, mas adicionalmente possui objetivos de desempenho assistencial e económico-financeiro. Um CRI pode ser facilmente acreditado como um Centro de Referência, caso o processo de candidatura esteja disponível na DGS, o que não é o caso nesta área. Por outro lado, a equipa clínica de um Centro de Referência pode propor-se a CRI, contudo terá de cumprir com objetivos de desempenho assistencial e económico-financeiro, e não apenas de qualidade.
Diga-nos por favor em que consiste o projeto na prática,
que aspetos pretende abranger e como se desenrola a atividade do CRI EM?
De uma forma global, o nosso intuito é mimetizar o Cemcat nas suas várias valências: assistencial, investigação e ensino/ formação. Na vertente assistencial, o nosso objetivo é fornecer todos os cuidados de saúde de que o doente de EM possa necessitar ao longo do seu percurso da doença numa abordagem multidisciplinar. Atualmente dispõe das seguintes valências clínicas: neurologia, otoneurologia, enfermagem, neuropsicologia, psicologia, nutrição e serviço social. Na vertente investigacional, é possibilitar aos doentes com EM a participação em ensaios clínicos e o acesso a moléculas inovadoras, para além da investigação de iniciativa do investigador, não esquecendo a possibilidade da investigação translacional e básica (em especial com a Universidade Nova de Lisboa). Por último, a vertente de ensino, consiste em possibilitar programas de ensino, formação pós-graduada e sessões informativas.
Que serviços e profissionais estão contemplados no projeto
e em que regime é prestado o trabalho dos profissionais?
Como referi na questão anterior, a vertente assistencial do CRI EM tem como objetivo fornecer os cuidados de saúde em todo o espectro da doença e numa abordagem multidisciplinar. Assim, os vários profissionais de saúde incluem médicos (neurologia, neurorradiologia, neuroftalmologia, otoneurologia, infeciologia, uroneurologia, fisiatria, psiquiatria, obstetrícia, etc.); enfermeiros (sendo a pedra angular no nosso projeto como gestor clínico do doente e seu percurso); farmacêuticos hospitalares; técnicos superiores de saúde e de diagnóstico e terapêutica (psicologia/neuropsicologia, serviço social, fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala, radiologia, nutrição, neurofisiologia, etc.), não esquecendo as assistentes técnicas e operacionais fundamentais em todo este processo. Os profissionais de saúde colaboram com o CRI EM, alguns de forma regular/ intensiva e outros de forma ocasional.
Dr. Carlos Capela com a sua grande equipa.
Atualmente quantos doentes EM estão a ser seguidos no CRI EM
e qual a capacidade deste centro no futuro?
Neste momento, seguimos um pouco mais de 1000 doentes em terapêutica modificadora da doença. Se formos capacitados como pretendemos em termos de recursos humanos e tempo alocado ao projeto, estimo podermos abranger cerca de 3000 doentes.
O CRI EM abrange apenas alguma área geográfica específica?
De que forma podem os doentes EM usufruir do CRI?
Desde 2016, que existe um sistema de livre acesso e circulação dos utentes no SNS, o que permite ao utente, em conjunto com o médico de família/ neurologista assistente de outra instituição publica/ privada responsável pela referenciação, optar por qualquer uma das unidades hospitalares do SNS onde exista a consulta de especialidade de que necessita. Em resumo, o doente com EM tem a oportunidade de escolher qual o estabelecimento do SNS onde quer ser seguido, e no qual o CRI EM se inclui.
O que está projetado para o futuro?
Existe a possibilidade de se expandirem outros CRIs EM pelo país?
Os CRIs são compostos por profissionais de saúde do SNS que, preferencialmente, devem exercer toda a sua atividade na instituição. Assim, a adesão a este modelo de organização orientado por objetivos negociados é claramente voluntária, pelo que a criação de mais CRIs depende do interesse e iniciativa das equipas de EM dos vários hospitais do país. Por outro lado, os conselhos de administração têm que autorizar a criação dos CRIs. Por último, nos CRIs médicos, como é o caso da EM, o enquadramento legal atual que norteia os CRIs não é muito benéfico para com as especialidades médicas, o que pode dissuadir o interesse neste modelo. Em suma, a criação de mais CRIs EM depende da iniciativa das equipas de EM dos vários hospitais do SNS, em se constituírem neste modelo, e da autorização dos respetivos conselhos de administração.