Diagnóstico da Esclerose Múltipla em Portugal demora, em média, três anos e o início do tratamento pode levar quase dois
- 7% das pessoas com Esclerose Múltipla (EM) não sabem que tipo de Esclerose Múltipla têm.
- Diagnóstico da doença ocorre, em média, três anos após os primeiros sintomas.
- Acesso à medicação sofre atrasos: doentes esperam em média 1,7 anos para iniciar o tratamento com as Terapias Modificadoras da Doença.
Lisboa, 30 de maio de 2025 – Uma média de três anos até ao diagnóstico e quase dois até ao início do tratamento farmacológico. Este é um dos dados evidenciados pelo estudo “Impacto dos Sintomas da Esclerose Múltipla”, apresentado esta manhã pela Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), no âmbito do Colóquio “Impactos Diários: Viver com os Sintomas da Esclerose Múltipla”, uma iniciativa que assinala o Dia Mundial da EM.
Realizado em 22 países europeus e promovido pela Plataforma Europeia de Esclerose Múltipla (EMSP), o estudo recolheu respostas de mais de 17 mil pessoas, 785 das quais em Portugal. Pela primeira vez, é possível ter um retrato aprofundado do impacto real – físico, emocional e social – dos sintomas da doença na vida de quem convive diariamente com a EM em Portugal.
“Este estudo fornece uma visão concreta sobre os desafios enfrentados por pessoas com EM. A demora no diagnóstico e no acesso a tratamentos específicos pode comprometer a gestão de todos os sintomas que afetam a sua vida diária. Estas barreiras colocam em causa a eficácia das intervenções clínicas e aumentarão o impacto negativo da doença na qualidade de vida das pessoas afetadas, quer doentes, quer os seus cuidadores. É urgente agir para garantir cuidados de saúde e sociais mais céleres, acessíveis e integrados.”, destaca Magda Fonseca, investigadora na área da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e responsável pela implementação do estudo em Portugal.
Diagnóstico tardio e acesso limitado a tratamentos farmacológicos inovadores
O tempo médio entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a confirmação do diagnóstico é de cerca de três anos, um atraso que compromete as possibilidades de intervenção precoce e eficaz. Já o início do tratamento com as Terapias Modificadoras da Doença (TMDs) só acontece, em média, 1,7 anos após o diagnóstico. “10% dos inquiridos esperaram mais de 6 anos para iniciar a terapêutica medicamentosa. Entre os doentes que nunca iniciaram medicação, 52% indicam nunca ter recebido prescrição médica, 22% referem receios quanto à sua administração, 6% reportam que o tipo de TMD prescrita não estava disponível e 6% alegam não ter condições financeiras para suportar os custos.
“É urgente garantir um acesso mais equitativo e célere ao diagnóstico e tratamento da EM, bem como melhorar a comunicação entre profissionais de saúde e doentes. Continuamos a encontrar barreiras injustificáveis num país que pretende garantir cuidados de saúde para todos”, afirma Alexandre Guedes da Silva, presidente da SPEM.
Sintomas invisíveis, mas incapacitantes
A fadiga, os problemas sensoriais, as dores, os distúrbios do sono e o défice cognitivo são os sintomas mais comuns entre os doentes portugueses. A média é de 13 sintomas relatados por pessoa, afetando significativamente a qualidade de vida. Quanto aos sintomas mais debilitantes, destacam-se a fadiga, as alterações motoras e os problemas no equilíbrio.
As diferenças entre géneros, faixas etárias e situação profissional revelam um impacto desigual da doença: as mulheres relatam mais fadiga e dor, enquanto os homens enfrentam maiores dificuldades de mobilidade. Os doentes entre os 18 e os 35 anos são os que manifestam menos sintomas, exceto a ansiedade, em oposição ao que acontece na faixa etária dos 51 aos 65 anos, na qual os sintomas tornam-se mais intensos com exceção da ansiedade. Devido à EM, 1 em cada 5 participantes não está a trabalhar, apresentando estes doentes a maioria dos sintomas, exceto a ansiedade.
Além disso, 7% dos inquiridos desconhecem que tipo de EM têm, o que levanta questões preocupantes sobre a literacia em saúde, a comunicação médica e o estigma associado à doença.
“Este desconhecimento é alarmante. É essencial promover campanhas de esclarecimento, reforçar a formação dos profissionais de saúde e garantir que as pessoas com EM compreendem o seu diagnóstico e as opções de tratamento disponíveis”, alerta o presidente da instituição.
Prestação de cuidados de saúde precisa ser melhorada
Em média, cada pessoa com EM está acompanhada por quatro profissionais de saúde, sendo o neurologista o mais comum (99%). Apesar disso, apenas 70% consideram que recebem cuidados de saúde satisfatórios.
De notar que 19% dos doentes não recebe qualquer tratamento ou cuidado de saúde. As principais razões para não utilizarem nenhum tratamento específico são: a percecionada falta dessa necessidade, a incapacidade financeira para a sua aquisição e a ausência de prescrição médica.
Realidade dos cuidadores e contexto social
O estudo revela também lacunas no apoio social: 12% das pessoas que necessitam de cuidadores não têm qualquer assistência e apenas 9% contam com apoio regular, maioritariamente prestado por familiares ou amigos. Mesmo entre quem está acompanhado, o suporte semanal ronda as 31.2 horas.
Um em cada três doentes não está satisfeito com a gestão dos seus sintomas
Os inquiridos reportaram que os sintomas com pior índice de satisfação quanto à sua gestão são a disfunção sexual, a fadiga e o défice cognitivo, enquanto os tremores, a incapacidade motora e os problemas com as mãos e braços são os sintomas mais bem geridos.
Um retrato nacional que exige ação
Com base neste retrato real e atual da EM, o estudo mostra que existem áreas prioritárias de intervenção em Portugal. É urgente reforçar a aposta no diagnóstico atempado, através da capacitação dos profissionais de saúde e da desmistificação da doença; garantir um acesso mais célere e equitativo aos medicamentos, com o apoio de mais ensaios clínicos, uma maior comparticipação do Serviço Nacional de Saúde e a eliminação de barreiras administrativas; investir na literacia em saúde e na qualidade da comunicação entre médicos e doentes; apoiar cuidadores formais e informais com medidas eficazes e sustentáveis; e, finalmente, promover um sistema de cuidados mais integrado, humano e centrado nas reais necessidades das pessoas com EM.
É com este compromisso que a SPEM — que celebra este ano 40 anos de trabalho junto da comunidade da Esclerose Múltipla — continua a assumir um papel ativo na defesa dos direitos dos doentes e na promoção de políticas públicas mais justas, inclusivas e transformadoras.
Sobre o estudo IMSS – “Impact of Multiple Sclerosis Symptoms”
O estudo “Impact of Multiple Sclerosis Symptoms” (IMSS) foi promovido pela EMSP, com o apoio de 24 organizações europeias, incluindo a SPEM. Em Portugal, a recolha de dados decorreu entre maio e agosto de 2023.
A nível europeu, os resultados revelam um cenário preocupante: o tempo médio até ao diagnóstico da doença é de até três anos; um em cada quatro doentes está impedido de trabalhar devido à EM e 13% das pessoas com a doença nunca receberam cuidados específicos para gerir os sintomas. Apenas 52% consideram que os seus cuidados de saúde são bem coordenados.
Link para o estudo completo: https://spem.pt/compreender-o-impacto-dos-sintomas-da-esclerose-multipla-em-portugal/
Sobre a SPEM:
A SPEM é uma Instituição Particular de Solidariedade Social de âmbito nacional fundada em 1984 com a missão de melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas com Esclerose Múltipla (PcEM), seus familiares e cuidadores.
Com mais de 3.000 associados, a Sociedade está presente de Norte a Sul do país e ilhas. A Sociedade tem o estatuto de Organização Não Governamental das Pessoas com Deficiência (ONGPD) e Associação de Defesa dos Utentes de Saúde (ADUS). Presta serviços multidisciplinares como Atividades Ocupacionais, Neurorreabilitação, Serviço Social, Apoio Domiciliário, Psicológico e Aconselhamento Jurídico.
Sobre a Esclerose Múltipla (EM)
É uma doença crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa, que afeta o sistema nervoso central. Atinge sobretudo os jovens (surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos), em particular as mulheres. Os sintomas da patologia no doente podem ser diversos, afetando sobretudo as suas capacidades físicas e cognitivas. Além do diagnóstico, a EM pode ter um enorme impacto na vida familiar e profissional dos doentes.
Em Portugal estima-se que existam mais de 8.000 pessoas com EM. Contudo, segundo especialistas nacionais, este número está subestimado, tanto pelo número de pessoas que estão sem diagnóstico, como pelas que estão sem tratamento confirmado, pelo que se aguardam estudos epidemiológicos mais recentes e precisos.