Cannabis terapêutica: a redução da espasticidade e da dor nas pessoas com EM é a maior vantagem
Nos últimos tempos, assiste-se a uma onda de descriminalização da utilização da cannabis a nível internacional. A utilização da cannabis terapêutica já foi autorizada em imensos países.
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença inflamatória crónica, que atinge o sistema nervoso central, e afeta mais de 2 Milhões de pessoas à escala mundial. A EM abrange em si uma multiplicidade de sintomas, sendo a cannabis, cada vez mais, associada à prática médica com efeitos positivos nesta doença.
Assim, segundo o estudo publicado na La Clef e realizado recentemente por Miguel D´haeseleer, neurologista no Centro Hospitalar Universitário de Bruxelas, envolvendo somente pessoas com EM, foi revelado que, para o alívio de sintomas, cerca de metade das pessoas inquiridas já tinham ponderado o consumo da cannabis e cerca de 1/4 já tinha consumido efetivamente.
Apesar de ser uma substância psicoativa e das controvérsias e incertezas sobre este tema, o objetivo da pesquisa feita pelo investigador Miguel D´haeseleer passa por fornecer dados exatos sobre a utilização médica da cannabis no caso de pessoas com EM, evidenciando as potenciais vantagens e desvantagens do uso da mesma.
A Cannabis
Há anos que se extrai cannabis e esta tem uma enorme diversidade. A cannabis sativa (originária do centro e sul da ásia), por exemplo, poderá conter cerca de 100 canabinóides diferentes (substâncias químicas que exercem influência nalguns recetores do corpo humano).
Os principais canabinóides na cannabis são o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), o qual não é psicoactivo, podendo inclusive contrabalançar os efeitos psicoativos do THC.
O CB1 é o primeiro tipo de recetor canabinóide, encontrando-se principalmente no sistema nervoso (sendo, essencialmente, por esta via que a cannabis exerce o seu efeito médico). A ligação a este recetor pode alterar a neurotransmissão (comunicação das células nervosas) e, por conseguinte, afetar o controlo da dor, da memória e da motricidade. Por sua vez, os recetores do segundo tipo (CB2) desempenham um papel no funcionamento do sistema imunitário. Além do CB1 e CB2, existem ainda canabinóides sintéticos, alguns deles segregados pelo corpo.
Efeitos médicos da Cannabis
Atualmente, na Bélgica, o Sativex é o único medicamento autorizado à base de canabinóides. Consiste numa solução de quantidade fixa de THC e CDB para pulverização nas mucosas bucais. Em certos países, a cannabis terapêutica pode ser utilizada para tratar a epilepsia, as náuseas e os vómitos.
Apesar de, até ao momento, não ter sido realizado nenhum estudo comparativo com os espasmolíticos clássicos (ex: Baclofeno), a pesquisa científica demonstrou que o Sativex e, de forma geral, a cannabis terapêutica, podem ter efeitos positivos na interpretação subjetiva sobre a espasticidade nos doentes de EM, na dor, na qualidade do sono e no controlo da bexiga. Desde logo, os sintomas devem melhorar de forma substantiva, num período experimental de oito a 12 semanas, no máximo. No caso da Bélgica, o medicamento só poderá ser entregue em intervalos regulares numa farmácia hospitalar.
Contudo, a utilização terapêutica da cannabis pode ser acompanhada de efeitos secundários, sendo na sua maioria ligeiros. Os efeitos secundários mais frequentes são: vertigens, atenção difusa, boca seca, náuseas e aumento da fadiga.
Além disso, apesar de não causar habituação e dependência, o consumo regular de cannabis parece ter efeitos nefastos para a cognição. Foi verificada uma relação entre a utilização da cannabis e o desenvolvimento de surtos psicóticos. Por este motivo, o Sativex não poderá ser prescrito a pessoas com antecedentes pessoais ou familiares de psicose ou com quadro de doença psiquiátrica grave.
Não obstante, dado que os recetores CB2 desempenham um papel no sistema imunitário, teoricamente também é possível que os canabinóides possam influenciar a progressão da EM.
A utilização terapêutica da cannabis só agora começou a dar os seus primeiros passos, muito pela atual flexibização das restrições legais em todo o mundo. Pode, assim, afirmar-se que é desejável avançar na pesquisa sobre esta terapêutica e perceber quais os potenciais efeitos a longo prazo (como na cognição) e os efeitos do CBD na monoterapia. Do ponto de vista científico, a grande vantagem demonstrada pelo recurso à cannabis é, sem dúvida, a redução da espasticidade e da dor nas pessoas com Esclerose Múltipla.