Quando me juntei à SPEM não conhecia o terceiro setor. Passados quase 3 anos, começo a entendê-lo um pouco mais. Claro que já tinha ouvido falar no Serviço Social, nos lares, nas associações de doentes, etc.. Até já havia feito voluntariado. Mas não percebia como realmente funcionava. Porque é que tantas pessoas davam de si aos outros. Talvez fosse porque tinham tempo livre, porque não queriam estar sós, porque faz falta no Curriculum, ou outra razão. Não percebia que há pessoas que o fazem porque sim ou porque se tornou um vício escutar o outro, provocar um sorriso ou uma gargalhada. Simplesmente porque sim!
Há cerca de dois meses, recebi uma chamada de uma jovem, um pouco aflita. A mãe, portadora de EM, estava a desenvolver um surto. Quem tem EM sabe que é imprevisível o aparecimento e mais ainda as sequelas que pode deixar. Sendo uma pessoa já com alguma idade, mais difícil poderia ser recuperar das sequelas. Por causa do foco na COVID-19, após 2 ou 3 idas ao Hospital onde era assistida, era enviada de volta para casa sem a atenção devida de quem está já com sintomas comuns e difusos de um surto de EM. Como é recomendação da SPEM, ligou-nos. Fizemos o que é comum fazermos. Contactámos o Hospital e exigimos que fosse prestado o devido apoio, de acordo com os protocolos adequados, com o atentíssimo apoio da APAH (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares) e da Administração do próprio Hospital.
Por vezes a reação mais fervorosa de determinados profissionais, de saúde ou não, geram reações, mais extemporâneas do que profissionais. Com o devido distanciamento e frieza, a senhora foi internada e devidamente tratada. A filha fez questão de nos relatar mais tarde que está em franca recuperação.
Há uns dias atrás, por causa da COVID-19, recebi uma chamada de um colaborador da SPEM a dizer que tinha uma carta registada para levantar nos correios. Fui lá levantar.
Não reconheci de imediato o nome do remetente. Era um pequeno pacote. Ainda perguntei ao funcionário se fazia tic-tac ao que ele respondeu que se calhar só depois de abrir, mas que, já agora, o abrisse lá fora…
Já no carro, abri. Tinha uma caixa com uma caneta e uma carta. Da nossa associada, filha da senhora que estava em surto. A carta é formal mas tão bonita, que tive de esperar uns minutos para me recompor.
Talvez não saiba, mas não faço o que faço para receber uma caneta ou sequer uma carta. Faço-o porque coleciono sorrisos, como o que imagino que tenha tido ao escrever a carta. Na realidade sou quem está grato. Muito grato, por ter sido útil.
Artigo de opinião, por Paulo Gonçalves, Vice-Presidente da SPEM.