Apresentando-se como uma experiência totalmente virtual, o Congresso de 2020 contou com mais de 40 oradores, 11 sessões paralelas e “salas” de atendimento personalizado e individual
Com mais de 280 participantes, nos dias 4 e 5 de dezembro, o Congresso Nacional de Esclerose Múltipla 2020, realizado pela SPEM, contou com alguns dos maiores especialistas nacionais nas diferentes vertentes da Esclerose Múltipla (EM).
Tendo como mote “Saúde 4.0 – Mover a Montanha“, o Congresso de 2020 procurou empoderar o doente, fazendo-o questionar a conjuntura atual da Esclerose Múltipla (EM), dar espaço às suas ideias para a transformar e decidir sobre o futuro da mesma na esfera pública.
Mais uma vez, com este evento, o objetivo da SPEM passou por incentivar à formação e informação de novas práticas, trazendo temas desde da inovação e investigação à regulação e transparência legal. Como adianta a Comissão Executiva do Congresso, estes dois dias de partilha quiseram não só “fazer um levantamento das questões mais relevantes que afetam as pessoas com EM”, como “produzir uma carta de princípios, com compromissos calendarizados e com vista à transformação do modelo de cuidado ao cidadão com esta patologia, nas suas várias vertentes”.
A “Carta de Princípios” propõe, de forma geral, a centralidade na Saúde da pessoa com EM, pretendendo a participação ativa do cidadão na prevenção, tratamento e (re)integração na sociedade, com uma meta a atingir em dois anos. Com esta iniciativa, a SPEM coloca-se na linha de partida para uma marcha que pretende “Mover a Montanha” pelo doente.
O que aconteceu no Congresso
Totalmente digital e com a possibilidade do utilizador “flutuar” entre salas virtuais durante as apresentações das diversas conferências, o Congresso de 2020 foi dividido entre sessões plenárias (com temas gerais e com maior destaque) e sessões paralelas (espaços direcionados para temáticas especificas). Em adição, pudemos ainda contar com sessões individuais, onde os participantes tinham a possibilidade de colocar as suas dúvidas (sobre a EM ou outras questões) a profissionais da área da saúde – como enfermeiros e psicólogos – e da área de segurança social, com a total garantia de sigilo profissional.
“o doente não consegue no mesmo hospital, num só dia, o acesso à consulta de neurologia, psicologia, fisioterapia, entre outros apoios”
(Carlos Cordeiro, enfermeiro no CHLN)
Caminhar para a construção de “Centros de Referência”
No primeiro dia do Congresso, Carlos Capela (especialista em neurologia no CHLC), Carlos Cordeiro (enfermeiro no CHLN) e Filipa Monteiro (Diretora da SPEM) estiveram à conversa sobre “Acesso, Tratamento, Acompanhamento e Relação” (painel I), onde afiaram que o ideal e mais eficaz ao tratamento do doente seria caminharmos para a criação de “centros de referência”. Este conceito incide na ideia de otimizar o “ecossistema” do utente, apresentado uma equipa especializada e centrada no mesmo.
Como referiu o enfermeiro Carlos Cordeiro, “o doente não consegue no mesmo hospital, num só dia, o acesso à consulta de neurologia, psicologia, fisioterapia, entre outros apoios”. Os “centros de referência” iriam, assim, permitir uma uniformização de procedimentos, um acesso mais fácil – tanto na fase de tratamento como de acompanhamento – e uma “economia mais aliviada em termos de gastos e despesas”, afirma Carlos Capela.
Filipa Monteiro diz ainda que, de modo a existir um melhor acesso aos diagnósticos, é urgente criar registos informáticos igualmente padronizados, apontando a necessidade de um registo nacional de portadores de EM com acesso geral, em qualquer ponto de saúde.
É urgente inovar e uniformizar os Sistemas Informáticos
Por sua vez, no debate “Transformação, Interoperabilidade, Integridade e Segurança” (painel II), em que contámos com a presença de Maria João Campos (diretora do Centro de Gestão de Informação do CHUSJ), José Feio (diretor dos serviços farmacêuticos do CHUC) e António Vilares (Pró-diretor da SPEM), ficou igualmente clara a necessidade de construção de uma plataforma para obtenção de dados a que se possa recorrer sempre que necessário, em qualquer parte do país ou da Europa.
“É preciso construir uma caixa de ferramentas, ou seja, construir uma infraestrutura de suporte, através de mecanismos de participação das pessoas, a que se possa recorrer quando necessário”
(José Feio, diretor dos serviços farmacêuticos do CHUC)
No que toca ao cumprimento legal de proteção de dados, referiu-se que é essencial a circulação de dados de saúde dentro da União Europeia (UE) para que o cidadão (portador ou não de doença crónica) consiga viajar despreocupadamente e, se necessário, recorrer a um profissional de saúde noutro país, o qual, desta forma, também conseguirá aceder à informação clínica do paciente através do sistema e agilizar o processo de atendimento.
Neste sentido, a criação do “Plano de Recuperação e Resiliência” do Governo (2021-2026) e do “Mecanismo de Recuperação e Resiliência” da UE são um passo na evolução do atual modelo de EM, mostrando uma oportunidade para a área da Saúde transitar para o digital.
Além de também ser apontada a importância de uma maior visibilidade e capacitação das associações de doentes, todos os oradores deste painel abordaram a necessidade da evolução dos sistemas de tecnologia e informação para uma melhor articulação da área da Saúde com outras.
Como bons exemplos foram referidos: o caso da certificação de incapacidade temporária para o trabalho eletrónico (CIT) – cuja comunicação se faz via digital, diretamente entre os serviços do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e a Segurança Social; e noutra perspetiva, a Farma2care, iniciativa de interoperabilidade do Hospital de São João, que conta já com a adesão de 58 portadores de EM e que tem como objetivo a dispensa de medicação, habitualmente cedida nas farmácias hospitalares e comunitárias, substituindo a deslocação obrigatória dos doentes.
Inovar e Regular para incluir, cada vez mais, o doente
No dia 5 de dezembro, Pedro Oliveira (Founder da Patient Innovation), Ana Martins Silva (Assistente Hospitalar de Neurologia no CHUPorto), Alex Correia (Consultor do Infarmed) e João Medeiros (criador da App Bladderunner) debruçaram-se sobre as questões do terceiro painel – “Inovação, Investigação e Regulação”.
No que concerne à regulação, Alex Correia apresentou um olhar sobre o papel e eficácia do Infarmed na defesa do cidadão, explicando as quatro áreas de regulação em que esta autoridade nacional opera, as quais vão desde assegurar a segurança dos participantes em ensaios clínicos à posterior avaliação da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos.
Tal como a assistente hospitalar Ana Silva, segundo Alex Correia, o Infarmed defende que os utentes devem ser “agentes geradores de evidências”. Por outras palavras, os convidados explicaram que os doentes devem estar mais informados e envolvidos no processo decisão, investigação e de avaliação, pois são eles que têm uma “perspetiva única da doença e do tratamento”.
“os doentes devem estar mais informados e envolvidos no processo decisão, investigação e de avaliação, visto que têm uma perspetiva única da doença e do tratamento”
(Ana Martins Silva, Assistente Hospitalar; Alex Correia, Consultor do Infarmed)
Com esta visão nasceu o projeto INCLUIR, criado pelo Infarmed, para ajudar a perceber e a ter em conta as medidas que os doentes consideram mais importantes na avaliação dos medicamentos (consoante as respostas dadas por estes a um formulário).
Do lado da inovação foram apresentados dois grandes exemplos. Por um lado, Pedro Oliveira que, após conhecer a história de Tal Golesworthy (um britânico que, ao saber o seu estado clínico, desenvolveu um suporte aórtico salvando a sua vida e a de muitos outros), pegou no registo de doentes com doenças raras e telefonou a cerca de 500 pessoas, questionando se alguma tinha inventado algo “inovador” que melhorasse a sua condição. Dessas 500 pessoas, 40 disseram que sim. Contudo, nada estava a ser partilhado.
Assim, sendo tudo validado por uma equipa do Hospital Santa Maria, Pedro Oliveira lembrou-se de criar a Patient Innovation, uma plataforma de partilha mundial, onde qualquer pessoa pode aceder a diversas soluções relativas à sua doença, criadas em qualquer parte do mundo.
Por sua vez, João Medeiros, portador de EM, tinha uma necessidade específica (disfunção da bexiga), por esse motivo, desenvolveu a App Bladderunner (disponível para IOS e Android) – a qual ajuda a gerenciar e a prevenir os seus momentos críticos, dado que a aplicação permite a recolha de hábitos diários, possibilitando a inserção de registos de sintomas, humores, dieta e medicação.
Estado da Nação EM
Criar um Registo Nacional da Esclerose Múltipla, uma Rede Nacional de Cuidados de Ambulatório para a EM e uma Linha de Apoio, idêntica à Saúde 24, exclusiva para estes doentes são algumas das 20 recomendações que resultam do Consenso Estratégico Nacional para a EM e que foram expostas por Henrique Lopes, professor da Unidade de Saúde Pública da Universidade Católica Portuguesa (USPUCP), durante o painel “Estado da Nação EM” (o último deste Congresso).
O Consenso Estratégico Nacional para a EM, que reuniu mais de 20 peritos, tem em vista a equidade de assistência por parte dos serviços de saúde em todo o território nacional, a dispensa de medicamentos ajustada às necessidades de cada pessoa e o combate ao estigma social, laboral, escolar.
João Cerqueira, presidente do GEEM (Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla), salientou que esta qualidade que se ambiciona exige algumas mudanças, nomeadamente: atualizar a Tabela Nacional de Incapacidades, promover a formação sobre EM para população em geral e profissionais; resolver o atraso no diagnóstico, para que o início do tratamento seja mais célere; dispensar a medicação hospitalar através de uma rede de farmácias comunitárias.
“é urgente cuidar do doente e não dos interesses operativos”
(Hélder Mota, representante da Ordem dos Enfermeiros)
Neste sentido, Hélder Mota, representante da Ordem dos Farmacêuticos, reiterou a importância de um Registo Nacional de EM no circuito da equipa clínica, pois, para este é urgente “cuidar do doente e não dos interesses operativos”.
De acordo com o especialista em Neurologia, José Vale, para que se operem mudanças na EM é ainda fundamental o envolvimento dos doentes e das suas associações, a reavaliação do valor dos medicamentos, uma negociação adequada da inovação terapêutica e o desenvolvimento de investigação clínica.
Por outro lado, contrariando as restantes intervenções, Luís Goes Pinheiro, presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, afirmou que a informação deve ser centralizada, de forma a reduzir os canais, e que soluções exclusivas não vão facilitar o sistema, acreditando que a partilha de informação em rede é o caminho para a elevação e eficiência.
Linha de Apoio, Concursos, Cinema, Debates e muito mais
Além de todo o esforço da Associação em preparar e promover diversos pontos de partilha, houve várias “mãos amigas” que também quiseram contribuir com diferentes ideias para preencher estes dias com o melhor conteúdo, enriquecendo o nosso programa com importantes perspetivas.
As sessões paralelas, apresentadas durante os dois dias de Congresso, dividiram-se entre temas como a empregabilidade, terapias complementares, os cuidados primários e os hospitais (onde se falou do projeto “Hospitalização Domiciliária” – um projeto da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA) que consiste em melhorar o acesso a cuidados de saúde por parte de utentes em fase aguda da doença, afastados fisicamente do hospital, permitindo-lhes uma continuidade dos cuidados ao domicílio), a reabilitação 4.0, a “saúde e bEM-estar” e algumas questões legais.
Dentro destas sessões incluíram-se ainda quatro temas muito pertinentes, levados a cabo pela Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA), Biogen (com a sessão “Enfermagem à distância de uma App”, onde abordamos a mais recente aplicação para doentes de EM – a CLEO), Merck (com a sessão “Estatuto dos Cuidadores Informais: caso EM”) e Novartis (com um “Espaço de diálogo: entre Doente, Cuidador e Médico”).
O objetivo da mesa redonda ELA/EM, realizada pela APELA, passou por compreender como é possível garantir os apoios, reconhecimento e acesso célere a prestações sociais a pessoas diagnosticadas com doenças incapacitantes, sem cura, de evolução rápida.
Assim, durante o debate, foram abordados os requisitos que cidadãos portadores de incapacidade temporária ou permanente devem reunir para recorrer ao Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA), bem como os obstáculos que têm sido encontrados na prescrição e atribuição destes produtos por parte de pessoas com EM e com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Complementada com o testemunho de uma pessoa com ELA, Ricardo Rodrigues, e da sua cuidadora, Mafalda Rodrigues, a mesa redonda contou ainda com as deputadas Bebiana Cunha, do PAN, e Paula Santos, do PCP, as quais apresentaram dois projetos de lei que visam dar resposta aos atrasos na emissão do Atestado Médico de Incapacidade Multiusos (AMIM).
O Coordenador da Unidade Temática 6 da Provedoria da Justiça, João Portugal, também participou na discussão, explicando que as recomendações feitas pela Provedoria (que previam alterações capazes de eliminar os atrasos significativos das Juntas Médicas e medidas para desburocratizar e acelerar a emissão do AMIM) permanecem em análise para regressarem ao Parlamento, em janela temporal indefinida, para votação final.
O Concurso
A SPEM quis inserir no Congresso uma iniciativa para recolha de ideias que visassem resolver problemas para pessoas com EM. Desta forma, surgiu o concurso Hack4Good que, após ser partilhado em diversas universidades do país, contou com dois projetos inovadores (a Abracelet, pertencente a Mariana Oliveira e a Inês Lima, e a Emily, pertencente a António Ramiro e Anabela Florêncio), desenvolvidos por jovens estudantes, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos doentes de EM.
O projeto da equipa vencedora passa pela criação de uma aplicação móvel ligada a um wearable com a forma de bracelete de pulso (como um SmartWatch, por exemplo), visando a facilitação da monitorização da progressão da EM. Abracelet foi pensada para “permitir um acompanhamento mais ativo e em tempo real, quer pelo doente, quer pelo seu clínico, de forma a poder agir precocemente”, explicam as criadoras.
Linha de Apoio “Mover a Montanha”
Durante o evento foi ainda apresentada a “Linha de Apoio Mover a Montanha”, uma linha de atendimento telefónico pensada e criada pela SPEM, em parceria com a Roche e a ActOne, com o objetivo de ajudar os doentes de EM, disponibilizando informações gerais na gestão da doença, esclarecendo dúvidas relacionadas com a Esclerose Múltipla e minimizando o risco nas deslocações ao hospital para a realização de tratamentos.
Sessão de Cinema
Não obstante, de modo a celebrar o Dia Nacional da Pessoa com EM, também a Sanofi Genzyme aproveitou o Congresso da SPEM para passar o documentário “Heróis da Esclerose Múltipla”. Realizado pela farmacêutica, o vídeo relata o testemunho de cinco pessoas que vencem os desafios causados pela EM, na conquista diária dos seus sonhos. “Heróis da EM” demonstra que os sonhos podem ter várias formas e que não nos devemos deixar limitar.
Apresentação da Delegação de São Miguel
De forma a encerrar da melhor maneira o evento, contámos com a apresentação da mais recente “expansão” da SPEM nos Açores. A delegação de São Miguel trouxe o seu contributo contando a história de Margarida Lalanda, doente de EM, e partilhando o panorama da Esclerose Múltipla na localidade (mais concretamente, alguns números de prevalência e incidência da EM na ilha), pela voz do neurologista Pedro Lopes.
Uma das grandes dificuldades reveladas no tratamento da doença fora de Portugal Continental foi a deslocação e a falta de recursos, dado que existe apenas unidade de neurologia em três das nove ilhas dos Açores, tal como a inexistência de radiologistas e os poucos equipamentos de radiologia existentes nos hospitais.
A enfermeira Sílvia Carneiro e a coordenadora da delegação, Hélia, tiveram as últimas intervenções e aproveitaram para explicar a importância do início desta Associação na localidade, pois, não só irá ajudar os doentes, como irá desmistificar a EM para a sociedade em redor.